O assassinato brutal do pequeno Arthur, de apenas dois anos, em Tabira-PE, não é apenas mais um crime bárbaro que choca e revolta. É o retrato de uma sociedade onde as falhas institucionais, a ausência de suporte social e a negligência – tanto das autoridades quanto das famílias – acabam custando vidas inocentes. A morte de Arthur não pode ser reduzida a um caso isolado de violência extrema. É o resultado de um sistema que falha, sucessivamente, em proteger os mais vulneráveis.

Desde que a notícia emergiu, ainda com poucas informações, nos debruçamos sobre o caso. Eu e Marina, com o compromisso de fazer valer o bom jornalismo, conseguimos, com exclusividade, localizar a mãe do pequeno Arthur. Giovana foi encontrada na rodoviária de Recife, prestes a embarcar para o Sertão, após tomar conhecimento do assassinato do filho. Foi um trabalho árduo, que exigiu pesquisa intensa, cruzamento de informações e a busca por contatos indiretos até finalmente chegar até ela.

E foi com Giovana que vieram algumas respostas – e muitas novas perguntas. Ela atribui, sem hesitação, a responsabilidade do crime ao casal Giselda e Antônio Lopes, conhecido como ‘Frajola’. Foram eles que ficaram com Arthur enquanto ela se ausentava para tentar ganhar dinheiro e sustentar o filho. Mas a história não se encerra nesse ponto.

QUEM FALHOU NA PROTEÇÃO DE ARTHUR?

O Conselho Tutelar tinha conhecimento da situação. Há relatos de que a criança já foi deixada sozinha diversas vezes. O que foi feito, então, para evitar que essa tragédia acontecesse? Se já havia histórico de vulnerabilidade, por que nenhuma medida mais severa foi tomada?

O Ministério Público, que tem o dever de fiscalizar e cobrar providências, atuou nesse caso? A polícia chegou a investigar o ambiente onde essa criança vivia? O Conselho Tutelar notificou formalmente outros órgãos para que fossem tomadas medidas de proteção?

É fácil, agora, apontar culpados. Mas a realidade é que Arthur já estava condenado antes mesmo de seu assassinato. Ele vivia à margem de qualquer estrutura de proteção, ignorado por quem deveria garantir sua segurança. A pergunta que precisa ser feita é: quem permitiu que isso chegasse a esse ponto?

Se existiam registros de abandono, por que Arthur não foi resgatado antes? Se a mãe enfrentava dificuldades para criá-lo, por que não havia um suporte real? Onde estava a rede de assistência social que deveria atuar em casos de vulnerabilidade extrema como esse?

A RESPONSABILIDADE QUE NINGUÉM QUER ASSUMIR

Giovana, a mãe, tem a sua parcela de responsabilidade? Deixou Arthur aos cuidados de terceiros, quando já se sabia que a criança vivia em risco. Mas, ainda assim, seria justo jogar sobre ela toda a culpa? Ela nos contou sobre a mala que estava cheia de presentes para o filho, e a necessidade de se ausentar para conseguir dinheiro para pagar Giselda, e claro, o sustento do filho. O Estado falhou. A sociedade falhou. As autoridades falharam.

Não há como negar que vivemos em um país onde a infância pobre é negligenciada. Enquanto o sistema de proteção falha repetidamente, crianças continuam à mercê da sorte – ou do azar – de nascerem em famílias que não conseguem ou não sabem como protegê-las.

O Ministério Público, as polícias, o Conselho Tutelar e a Justiça precisam agir antes do crime acontecer. Depois, quando já há uma vítima, tudo que resta é indignação e dor. É preciso sair do discurso e garantir que nenhuma outra criança tenha o mesmo destino de Arthur.

JUSTIÇA OU JUSTIÇAMENTO?

Agora, o clamor é por justiça. Mas que justiça? A prisão dos responsáveis não traz Arthur de volta. A revolta da população não apaga o horror que ele viveu. Se não houver uma mudança real, sistemática, para que casos assim não se repitam, tudo que restará será o ciclo vicioso: indignação, esquecimento, nova tragédia.

Arthur não deveria ter morrido. E sua morte não pode ser apenas mais um número. Se queremos um país onde crianças não sejam condenadas à violência antes mesmo de aprenderem a falar, é hora de exigir ação. O debate sobre proteção da infância, combate à negligência e fortalecimento das instituições precisa sair das manchetes e entrar na prática. Porque o que aconteceu em Tabira não pode ser apenas mais uma tragédia anunciada.